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Yoga, meditação e as Manualidades

Criar com as mãos nos coloca em contato e relação com o tempo do processo de vir a ser.


Com o processo em si, e os desdobramentos que o compõe... em um fazer que respeita o ritmo natural das coisas, nada fica pronto do dia para a noite. É tudo um processo de construção... e dentro dele, a destruição também tem seu papel. Ideias, pensamentos, sensações, erros, apegos, julgamentos... são também destruídos para que algo se materialize.


E o que isso tem a ver com YOGA E MEDITAÇÃO? Tenho refletido e experienciado ao longo da minha vida, sobre essa relação, e é sobre isso que penso/escrevo, aqui.


                No tempo de ‘estar com’ algo, deixar-se ficar e ultrapassar as camadas mais superficiais de uma relação, é possível se reconhecer, muitas e muitas vezes. Olhar para dentro e vislumbrar verdades universais que se manifestam no universo interior.          


  Encontrar o presente durante os processos é integrar-se, soltar a expectativa dos resultados e viver a realidade deste agora... podendo também, trabalhar a observação de si, do nível mais grosseiro ao sutil.


                A vida hoje em dia tem sido acelerada... o tempo proposto pela tecnologia, apesar de nos favorecer enormes confortos em certos níveis, nos tira muito em termos de saúde.


Ao observar o tempo da natureza, de uma semente que brota, cresce, dá flor, frutos e morre... ou de um pássaro que constrói seu ninho indo e vindo com diversos tipos de materiais que encontra no caminho, para acolher a chegada da sua próxima geração... é fácil perceber que o tempo da natureza é sintonizado com a calma e a tranquilidade. As coisas são realizadas pouco a pouco, e tem a essência da paz, para viver cada fase e momento, como sendo únicos, sem pressa, sem pressão, sem a ânsia do fim.


O tempo tecnológico, nos propõe um tempo anti-natural. Não orgânico, o mesmo tempo de funcionamento de uma mente doente e esquizofrênica. Milhares de informações, possibilidades e realidades sendo vividas em um curto espaço de tempo. É só deslizar um pouco na tela da rede social, que você poderá comprovar essa informação. Percebendo a qualidade da sua energia, antes e depois de 5 minutos em interação com toda a informação disponível ali. Nessa realidade, não há tempo para corporificar; para deixar-se acomodar e fazer sentido, para sentir enquanto o que está acontecendo, acontece. Ao contrário, a informação se atropela uma sobre a outra, e mesmo as pérolas mais raras, acabam, muitas vezes, sendo entregues aos porcos.


O inconsciente coletivo tem recebido uma grande pressão ao consumir constantemente notícias e informações de conflitos, interesses e situações que não podem ser incorporadas efetivamente na realidade dos indivíduos. Vivemos dividindo a atenção entre o que é necessário e possível ser feito no dia de hoje, com o que supostamente, deveríamos estar fazendo de acordo com o sistema de crenças e estímulos que estamos constantemente absorvendo. Sistema esse que alimenta a comparação, frustração, insatisfação e consequentemente, o estado depressivo da mente (que muitas vezes é subsequente de um estado eufórico causado por excesso de estímulo).


Esse mecanismo de rápida recompensa ao qual somos submetidos pelo sistema operante, empobrece o espírito e a alma, que têm sede de inteireza, de aprendizado a partir da experiência, de trocas substanciais que tem seu tempo de serem incorporadas. Por isso, por mais que possamos consumir, comprar ou nos informar... ainda assim, fica uma lacuna vazia, uma falta de sentido que afasta a verdadeira compreensão e sabedoria de se manifestar.


No fazer manual o tempo do processo é o tempo do corpo. Orgânico e natural. Para chegar daqui até lá, não tem outro caminho, a não ser caminhar. Passo a passo. Ou seja, tem menos produção, com mais coração. No sentido do tempo, tempo do coração. O coração pede tempo pra vivenciar. O coração pede tempo pra amar, apreciar. Pra contemplar sem se apressar. Para se demorar em si, com o que tiver.


Além disso, quando fazemos as coisas com as mãos, passamos a reconhecer o valor agregado de determinado produto, coisa que muitas vezes, passa invisível aos nossos olhos em uma realidade de consumos imediatistas.


No processo de lapidar a matéria prima, também refinamos nossa percepção para a relação com o tempo, e com a própria coisa em si. Encontramos o espaço para olhar para dentro e questionar não só o porquê estamos fazendo, mas o como estamos manifestando aquela criação. Podemos acessar conteúdos internos e desenvolver qualidades, enquanto nos relacionamos com as sutilezas dos detalhes de uma obra.


Podemos, durante o fazer manual, nos tornarmos mais consciente dos nossos corpos, a qualidade das nossa mente e sensações, de momento a momento. Podemos desenvolver e corrigir pensamentos, alinhar percepções e direcionar nossa energia para os locais dentro de nós que necessitam. Podemos trabalhar com a qualidade da determinação e esforços corretos. E por fim, podemos navegar em direção à um alinhamento maior dos nossos pensamentos, emoções e ações. E o que seria tudo isso se não uma grande prática de yoga e meditação?


Acredito que o fazer manual, é extensão e parte da evolução na prática de yoga. Pois, assim como o yoga, de alguma forma nos deixa mais criativas(os), pois pouco a pouco vai desbloqueando nossas travas físicas, mentais e energéticas... e isso naturalmente faz com que nossa ação no mundo comece ser mais coerente com esse fluxo. Também, nas manualidades, encontramos o tempo e espaço para aprofundar na relação e aprofundar a consciência do nosso propósito de vida e de quem somos.


Acredito que um está interligado ao outro, bem como são causa e consequência, simultaneamente.

Pois assim como o Yoga não é só aquilo que se faz em cima do tapetinho. Ao fazer as coisas com as próprias mãos, não se trata apenas do produto em si, e sim, de todo o processo e consciência nutrida dia após dia, que compõe as entrelinhas desse fazer.


Até mesmo a escrita, com papel e caneta, que bom é poder ouvir seu tempo melódico, de corpo inteiro. (Sous suspeita, amo cardenos, poesias, caligrafias e rabiscos).


As manualidades permitem a integração, de tudo que está, como é. É possível respirar aí. É necessário estar atenta(o). As informações chegam e vão embora, e a atenção continua na folha, no bordado, na massa, nas sensações. Nos provocando a estimulando para o desenvolvimento da concentração, e da realidade da impermanência. A relação profunda com o tempo, faz o sentido do mesmo se dilatar em nossas mãos. A conclusão deixa de ser a parte mais importante e o processo todo ganha a devida atenção. No final, o resultado acaba por gerar mais satisfação, já que a experiência tomou corpo e nutriu o coração.


Pratica, e todo resto virá. Um pouco de espaço também para receber e alquimizar. Quantas vezes o que já é conhecido pode se transformar?


Infinitas formas a essência da verdade pode tomar. Sê paciente para continuar a observar. O trabalho interno é constante, mesmo em descanso está a se manifestar, naturalmente.


Continua atenta, paciente e dedicada, tomando assim refúgio em cada ação realizada. Calma e tranquilidade, equânime e consciente. A realidade assim como é, purificando a própria mente.


Quando nossa relação com a gente mesma(o) muda, também muda a relação com o outro, com as coisas, com a sociedade, o consumo, a política, a espiritualidade, o planeta.


Sim, temos nossas limitações, e está tudo bem comprar quando precisamos (afinal de contas vivemos nesse mundo também), mas consigo perceber que ao fazer com as próprias mãos, também mudamos internamente a proporção e a qualidade das nossas necessidades.


Sem dúvida, é um caminho de autotransformação, que leva a satisfação, liberdade e integridade... que nos proporciona autoconhecimento e uma relação mais íntima com a vida, a natureza, a arte e o corpo e nossa história enquanto indivíduo e coletividade.


Uma dica se você quer iniciar nessa jornada, é escolher algo que você goste de comer e/ou uma peça de roupa ou de decoração que esteja querendo para criar com as suas mãos... sempre observando tudo que emerge com esse fazer. Você pode separar um caderno e ir anotando as inspirações e reflexões que certamente emergiram deste processo :)


Abraços criativos!! Gabriela Gosan

 

 

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